22.6.08

Samuel Rawet, escritor dilacerado


Ler Samuel Rawet, cujos "Ensaios Reunidos" são lançados agora pela Editora Civilização Brasileira, é um mergulho num universo de permanente estranhamento e incomunicabilidade. A obra, organizada por Rosana Kohl Bines e José Leonardo Tonus, complementa o volume da ficção rawetiana que, publicada pela mesma editora, inclui de textos mais lineares, como "Contos do Imigrante", livro de estréia de 1956 aclamado pela crítica, até o denso e difícil "Viagens de Ahasverus à terra alheia em busca de um passado que não existe porque é futuro e de um futuro que já passou porque é sonhado".

Nascido na Polônia em 1929 e educado em cheder, o menino que só falava idish ao chegar ao Rio de Janeiro, aos sete anos, veio a dominar todas as nuances da língua portuguesa. Erudito capaz de mesclar gíria e latim num mesmo parágrafo, Rawet foi engenheiro e, como membro da equipe de Oscar Niemeyer, o principal calculista do Congresso Nacional, em Brasília, cidade onde morreu. Possuía uma profunda “alma judaica”, ainda que tenha declarado seu rompimento com o judaísmo num texto contundente que sedimentou seu afastamento da comunidade.

Interpretado ao pé da letra, atribuiu-se-lhe um suposto auto-ódio judaico que não é confirmado pelos textos nem pelo reconhecimento das fontes em que bebeu, como Spinoza e Martin Buber. O que acontece é que o escritor nunca se atribuiu o papel de transmissor da cultura ancestral e criticou sem piedade o meio judeu em que viveu durante a juventude. Além disso, “matou” o pai e os irmãos, figurativamente, mas é bom lembrar que a literatura registra isso desde Édipo... Sua atitude nos remete à famosa frase de Hannah Arendt a Gershom Scholem (“ ...os erros cometidos pelo meu próprio povo naturalmente me causam mais dor do que os erros cometidos por outros povos”)e nos faz pensar que se ele tivesse nascido três décadas mais tarde teria podido expressar suas angústias sem ferir os bons modos.

Uma resenha sobre o livro, publicada no caderno Prosa & Verso em O GLOBO de sábado, 21.06.2008, pode ser lida em http://www.oglobodigital.com.br/