14.8.08

Chineses amistosos, japonês assustador

O contato com a população chinesa local era pequeno, porém amistoso. David costumava ressaltar que eles eram muito honestos nos negócios. Artur concorda: “Os chineses sabiam que éramos vítimas do nazismo, e eles eram contra o Japão e a Alemanha. Fazíamos muito bons negócios”. Se o convívio com os chineses era bom, o mesmo não se aplicava aos japoneses, que restringiam a liberdade de movimento dos judeus. Quatro oficiais eram encarregados de controlar a entrada e saída do gueto, sendo o principal na hierarquia o oficial da Marinha T. Kubota, a quem Artur classifica como um homem justo. Um outro funcionário, porém, um sádico de nome Goya, contribuía para infernizar ainda mais a vida dos refugiados.

David ria (tantos anos depois já ficava fácil rir da situação) quando lembrava que Goya, de estatura muito baixa, dava vazão ao seu complexo subindo em cima da mesa para dar bofetadas nos refugiados que faziam filas quilométricas diante do escritório dele para resolver questões burocráticas. Soltava tapas e berrava: “Eu sou mais alto que você, eu sou o rei dos judeus.”

Daí que o special pass, documento carimbado por Goya que permitia ao refugiado sair da “Designated Area” para trabalhar no settlement, passou a ser chamado ironicamente de “petchl (tapinha, em ídish) pass”. Artur não esquece: “Eu tive um caso muito desagradável com aquele meshúguener. Por ser estudante universitário, havia obtido um documento de isenção (exemption) que me autorizava a residir na concessão. Mas, ao levar o documento de isenção para a renovação anual, Goya o rasgou diante dos meus olhos. Fiquei sem documento, morando na concessão ilegalmente, desesperado. Quem me forneceu outro papel foi Kubota.”

Em 18 de julho de 1945, a Força Aérea americana bombardeou a rádio e uma fábrica de munições japonesas em Xangai. Algumas bombas atingiram Hongkew. Morreram 2 mil chineses e 31 refugiados judeus, dos quais oito ou nove eram poloneses. David, Artur e Gênia perderam amigos nesse ataque. Imediatamente após o lançamento da bomba atômica sobre Hiroxima, em agosto de 1945, muitos japoneses começaram a abandonar Xangai. A situação após a rendição incondicional do Japão era, no dizer de Artur, sui generis: os japoneses, embora derrotados, foram incumbidos pelos americanos de continuar ocupando Xangai até que o exército nacionalista de Chiang Kai Shek conseguisse chegar para assumir o controle da cidade. Seguindo uma disciplina rígida, mesmo após os ataques atômicos, os soldados, armados, não permitiram desordens nem roubos.

Em 1946 os refugiados começaram a abandonar Xangai, com destino principalmente aos Estados Unidos, Israel e Austrália.