7.8.08

Frase de Siné provoca guerra verbal na França



Apesar do verão e das férias coletivas, os franceses envolveram-se com todas as armas retóricas na polêmica em torno de um comentário de Siné, cartunista e colunista do jornal satírico Charlie Hebdo. Siné foi demitido após escrever uma nota sobre o noivado do jovem Jean Sarkozy, filho do presidente, com a milionária herdeira judia Jéssica Sebaoun-Darty. Comentando o boato de que Jean, que começa a fazer carreira política, vai se converter ao judaísmo para se casar, Siné fez uma piadinha que alguns judeus apontam como anti-semita. “Ele vai se dar bem na vida, esse garoto!” escreveu.

A demissão do cartunista, 79 anos, símbolo de um humor francês iconoclasta e anárquico, que desconhece hierarquias, foi uma surpresa, até porque o Charlie Hebdo ficou conhecido por sua irreverência e defesa da liberdade de expressão (defendeu, por exemplo, a publicação das charges de Maomé, que levaram o autor a ser ameaçado de morte por radicais islâmicos). Siné não admitiu demitir-se e desafiou seus críticos em artigo na revista Le Nouvel Observateur: “Eu nunca fui anti-semita, não sou anti-semita e nunca serei anti-semita”, afirmou. “Condeno categoricamente aqueles que o são, mas tampouco respeito aqueles, judeus ou não judeus, que lançam essa palavra obscena na cara dos adversários para desacreditá-los, pois é óbvio que essa acusação é o supremo insulto desde o Holocausto. Isso está ficando realmente insuportável!”

O jornalista Claude Askolovitch, que lidera as hostes anti-Siné, diz que, por trás da frase, existe a idéia preconcebida de que todos os judeus são poderosos e privilegiados. Outro comentário de Siné, de que preferiria uma mulher muçulmana com véu a uma judia depilada, foi mais uma gota d’água no copo das acusações mútuas.
O velho cartunista está sendo amplamente apoiado por abaixo-assinados e cartas-abertas publicadas na Internet, em sites visitados por centenas de milhares de pessoas, que acusam o jornal de não ser mais o mesmo e ter aderido a uma “caça às bruxas”.

Entre os que concordam com as críticas a Siné está o famoso filósofo Bernard-Henri Levy, que acha que é preciso, sim, denunciar qualquer insinuação baseada em estereótipos raciais, ainda que feita com aparente leveza. Em artigo para o Le Monde, ele afirmou que « a crítica das religiões, de todas as religiões, à maneira de Voltaire, é uma coisa – sadia, bem-vinda, útil a todos e em particular, talvez, aos próprios fiéis. O racismo, o anti-semitismo, são outra coisa – odiosa, indesculpável, mortal para todo mundo e que não se pode, em nenhuma hipótese, confundir com a primeira”. O que conta são as palavras, diz o filósofo. E, além das palavras, também contam a História, a memória e o imaginário que elas veiculam.

A coluna de Bernard Henri Levy pode ser lida em www.lemonde.fr/archives /article/2008/07/21/de-quoi-sine-est-il-le-nom-par-bernard-henri-levy_1075542_0.html