16.5.09

Infância pré-Holocausto









Menino com Arenque
Véspera de Iom Kipur

Hoje com 92 anos, Mayer Kirshenblatt emigrou da cidadezinha polonesa de Opatow (Apt, em idish) para o Canadá em 1934. Trabalhou, teve família, aposentou-se. E aos 73 anos começou a pintar: o resultado são telas como as acima, que podem ser vistas no Museu Judaico de Nova York (http://www.thejewishmuseum.org/) até 1 de outubro.

São 80 obras supercoloridas, ingênuas, nostálgicas, em que o artista autodidata recorreu às memórias de infância e adolescência para recriar os personagens e o cotidiano do shtetl [aldeia], o único mundo conhecido por milhões de judeus antes de Segunda Guerra.

A exposição tem nome longo: They Called Me Mayer July: Painted Memories of a Jewish Childhood in Poland Before the Holocaust [Eu me chamava Mayer July: Memórias Pintadas de uma Infância Judaica na Polônia antes do Holocausto].

Ela faz parte de um projeto museulógico que mescla memória, história oral e interpretação visual para fixar um passado do qual restam poucas testemunhas vivas. Pode-se comprar no Museu um álbum capa dura de 411 páginas, com 196 ilustrações coloridas e 11 desenhos em preto e branco, por apenas 40 dólares!!! (ah, inveja de livros tão baratos… graças às subvenções institucionais e aos mecenas pessoais). A mostra seguirá, em 2010, para o Museu Histórico Judaico de Amsterdam e, em 2011, para o Museu da História dos Judeus Poloneses, em Varsóvia.

O Museu Judaico de NY, fundado em 1904, tem uma coleção de 26 mil itens – quadros, escultura, fotografias, objetos arqueológicos e rituais. Faz exposições temporárias e tem programações educacionais (1109 Fifth Avenue e 92nd Street, Manhattan. Tel: 212.423.3200).

Israel e a Santa Sé

A idéia de que a recente visita do Papa Bento XVI a Israel comprovaria a superação das divergências entre o Estado judeu e o Vaticano não resiste às análises menos apressadas. A visita foi altamente midiática, com centenas de oportunidades de fotos, que correram o mundo, mas há dúvidas quando se trata dos reais ganhos para Israel. Vou citar aqui alguns argumentos do cientista político Mitchel Bard, diretor da Jewish Virtual Library e conhecido por suas posições conservadoras (seu livro Mitos e Fatos – a verdade sobre o conflito árabe-israelense foi traduzido para o português pela Editora Sefer).

A Igreja católica, lembra Bard, tem uma relação pouco confortável com o sionismo desde que Theodor Herzl procurou o apoio do Papa Pio X para uma pátria judaica e ouviu do pontífice que os católicos não podiam reconhecer o povo judeu, já que os judeus nunca tinham reconhecido Jesus. “Se vocês forem para a Palestina, e se o povo judeu se estabelecer lá, nossas igrejas e nossos sacerdotes estarão a postos para batizar vocês todos” (o diálogo está no livro de Uri Bialar, Cross on the Star of David, Indiana University Press, 2005).

O Vaticano votou a favor da partilha da Palestina na histórica Assembléia-Geral da ONU em 1947, mas só em 1993 reconheceu o Estado de Israel. Desde então, o diálogo vem melhorando e o Papa João Paulo II visitou o país em 2000. Mas a série de equívocos da visita de Bento XVI demonstra que “as feridas do passado estão longe de ter cicatrizado”, segundo Bard. Os principais equívocos por ele apontados são:
O Papa, alemão, afirmou que se tornou membro da Juventude Hitlerista contra a sua vontade; logo no início da viagem, porém, um porta-voz do Vaticano desmentira tal pertencimento, só para ter que voltar atrás, mais tarde, ao ser informado de que o fato era de domínio público e tinha sido confirmado na autobiografia de Bento XVI.
O rabino Israel Meir Lau, presidente do Yad Vashem, mostrou-se descontente com o fato de o Papa, em discurso durante visita à instituição, não ter mencionado alemães nem nazistas como responsáveis pelo Holocausto. O Pontífice falou genericamente em milhões de vítimas inocentes, num discurso convencional, mas não especificou os judeus nem teve qualquer palavra de simpatia em relação à sua tragédia singular.
O Vaticano continua a limitar o acesso aos arquivos que podem esclarecer o papel de Pio XII (Papa de 1939 a 1958) na Segunda Guerra. Em 2008, Bento XVI anunciou sua intenção de beatificar Pio XII; e em janeiro de 2009 anunciou a suspensão da excomunhão do bispo Richard Williamson, que nega o Holocausto.
O Papa fez seus discursos “politicos” apenas nas areas palestinas. Em Belém, lamentou as perdas palestinas em Gaza e, embora exortando os jovens locais a rechaçarem o terrorismo, não mencionou o Hamas. Também condenou o muro construído por Israel, ensejando que Mahmoud Abbas aproveitasse a ocasião para chamá-lo de “muro do apartheid”. Ponto palestino na guerra de propaganda!

“A decisão do Papa de ir a Israel em peregrinação foi bem recebida e mostrou a distância que o Vaticano percorreu desde a visita de Herzl a Roma. Mas as ações e omissões durante a viagem indicaram que ainda há uma distância a percorrer antes que Israel tenha da Santa Sé o respeito que merece”, conclui Bard.

Schylock - um lado humanista de Shakespeare

Não há razão para ver antissemitismo em Shakespeare por causa do personagem Shylock, em O Mercador de Veneza: é o que diz a premiada dramaturga brasileira Miriam Halfim sobre uma questão que há décadas divide os estudiosos. A peça foi encenada, no século XX, tanto nos palcos nazistas, onde Shylock foi caracterizado como um usurário judeu repulsivo, o vilão prototípico, quanto por grupos teatrais que “desconstruiram” o texto com a intenção de fazer o público confrontar seus preconceitos. No cinema, o texto ganhou uma adaptação recente estrelada por Al Pacino (The Merchant of Venice, Inglaterra/Itália/Estados Unidos, 2004).

Pergunta: Que elementos indicam que Shakespeare não condena Schylock?
Miriam Halfim: Minha tese, e sobre isso foi minha dissertação de mestrado, é que o célebre monólogo de Shylock na peça O Mercador de Veneza, no qual ele diz que é um judeu, mas que se o ferem, sangra como todos os homens, se lhe fazem cócegas, ri como todos os homens, etc (Ato III, cena 1) mostra um lado humanista de Shakespeare. O que pode parecer antissemitismo mostra a verdadeira face do personagem como visto pelo genial dramaturgo, que enxerga além do preconceito popular. Um autor que odiasse judeus não escreveria aquele monólogo tão impressionantemente humano e solidário.

Pergunta: O que caracteriza basicamente a personalidade de Schylock?
Miriam Halfim: A personalidade de Shylock é sóbria. Ele diz que pode comerciar com os gentios, mas não sentar-se à mesma mesa. A proibição vinha de fora, sempre foi sabido, e toda a escrita do bardo tem ironia. Uma leitura literal não funciona. Shylock não gosta de festas mundanas, mascaradas, mas na sinagoga, que ele frequenta, há música, toda a liturgia é cantada.

O pai que cuida da filha com zelo cabe na imagem do viúvo preocupado com a honra da casa. A dor de Shylock quando sabe que a filha vendeu o anel que a esposa lhe dera quando ainda solteiro bem mostra que valoriza sentimentos profundos, em contraste com a leveza excessiva do grupo gentio. Existe o Shylock que paira na superfície e deve agradar à platéia e o outro, vivo, abaixo da linearidade, que surge em algumas falas e no magnífico monólogo citado.

Pergunta: Na época de Shakespeare, como era o antissemitismo na Inglaterra?
Miriam Halfim: Havia poucos judeus na Inglaterra de Shakespeare. Oficialmente, todos haviam sido expulsos, mas os editos não valiam para os médicos, por exemplo, que geralmente cuidavam da realeza e eram convidados a ficar. Mesmo sem ver judeus pelas ruas, havia a criação de Christopher Marlowe, um contemporâneo de Shakespeare: ele, sim, descreveu seu judeu com preconceito indubitável em O Judeu de Malta. Ambos colocaram seus personagens na Itália. Já existia a Inquisição e na Inglaterra não se encontrava uma comunidade, mas na Itália havia judeus, e aquele país prosperava. O que causava todo tipo de inveja.

Pergunta: Shakespeare tem outros personagens judeus que ficaram famosos?
Miriam Halfim: Não há mais personagens judeus em Shakespeare. Shylock é o único sobre o qual escreveu. O poeta escrevia sob o mecenato da nobreza e a ela precisava agradar. Em tese, pelo menos. Mas, embora através dos séculos Shylock tenha oscilado entre o monstro e o homem, dependendo da política da época, uma leitura apurada e honesta de O Mercador de Veneza mostra um ser humano rico e muito sofrido. É imperdível.

Memórias dos subúrbios da Central do Brasil

A repercussão positiva do artigo de Rose Esquenazi sobre o lérer Tabak, um dos criadores do Colégio Eliezer Steinbarg, confirma que ainda cabem em nossa comunidade registros de diferentes memórias, que contribuam para escrever uma História, inclusive uma petite Histoire, representativa, não "oficial" nem laudatória, com lugar para o contraditório. Isso nem sempre é fácil, pois, como dizia o dramaturgo Nelson Rodrigues, o passado de 50 anos atrás às vezes parece muito mais remoto que o do século 18...

Então, foi com uma festa para os depoentes e seus familiares que o Museu Judaico anunciou a finalização das entrevistas com 70 antigos moradores judeus dos subúrbios da Central do Brasil. Para os judeus cariocas, essa foi uma área efervescente na primeira metade do século XX, com grêmios, escolas, sinagogas, milhares de famílias de imigrantes lutando para dar boa educação aos filhos. As entrevistadoras, incansáveis, foram Rachel Niskier, Ana Antabi e Isabella Waga, diretoras do Museu, cujas extensas anotações foram transcritas pelo historiador Fabio Bocco. É uma bela “viagem” pessoal e social, à disposição dos pesquisadores – viagem que começa nos guetos europeus, prossegue nas ruas calorentas junto aos trilhos da ferrovia Central do Brasil e se consolida na atual e completa inserção dos judeus na sociedade brasileira.

Discursos contra Hitler

“Alemães, vocês precisam saber disso. Horror, vergonha e arrependimento é do que se precisa em primeiro lugar. E só um ódio é necessário: o ódio aos canalhas que transformaram o nome da Alemanha numa abominação diante de Deus e de todo o mundo.”– Thomas Mann, janeiro de 1945.

O trecho acima é de um discurso que o escritor alemão Thomas Mann, exilado nos Estados Unidos, fez aos seus conterrâneos ao longo da Segunda Guerra. Foram 58 falas breves e contundentes, contra Hitler e o Terceiro Reich, transmitidos pela rádio inglesa BBC. Estão no livro Ouvintes alemães! Discursos contra Hitler (editora Zahar, tradução de Antonio Carlos dos Santos e Renato Zwick). É um documento que mostra como um dos grandes autores do século XX recorre à comunicação de massa para tentar convencer os alemães a lutar contra o regime nazista.

Leia e ouça trechos dos discursos, além de informações sobre Thomas Mann, no site http://www.zahar.com.br/catalogo_exclusivo.asp?id=1117&ide=172

1.5.09

Trinta vozes de Israel



Alguns dos principais ideólogos e articuladores da criação do Estado de Israel, que completou 61 anos, serão lembrados pelo Museu Judaico do Rio de Janeiro com a exposição "Do exílio à redenção: 30 vozes de Israel", que poderá ser visitada de 5 de maio a 4 de junho.

Membros da primeira aliá (imigração para Israel), entre 1881 e 1903

Kotel, 1920

Será uma oportunidade para que o público visite ou revisite acontecimentos e personalidades emblemáticos, como Theodor Herzl e Golda Meir, bem como para que tome conhecimento de figuras menos conhecidas mas nem por isso menos importantes da História recente. A exposição trará uma linha do tempo e palestras, com abertura por Edgar Leite.