31.7.09

Atentado impune e outros apontamentos

Logo depois do atentado à AMIA, o presidente Carlos Menem manifestou seu pesar aos israelenses – que responderam que eles é que lhe deviam condolências, afinal os 85 mortos e 300 feridos eram em sua maioria argentinos... inclusive pedestres que naquela manhã de inverno (18 de julho de 1994) estavam perto do prédio de oito andares, no centro de Buenos Aires, derrubado por 300 quilos de explosivos.

O atentado – o mais letal contra uma comunidade judaica desde a Segunda Guerra – foi um choque não só para os judeus, apesar do alvo ter sido a sede de várias de suas instituições culturais e sociais, inclusive a entidade-mãe Delegação de Associações Israelitas Argentinas (DAIA), além de uma das maiores bibliotecas em hebraico da América Latina e uma das maiores do mundo com obras em ídish (parcialmente recuperadas dos escombros, nas semanas seguintes, por voluntários). A explosão ocorreu apenas dois anos depois que outra, também impune até hoje, deixou 22 mortos na embaixada de Israel em Buenos Aires.

Ambos os atentados foram desde então atribuídos por distintos governos argentinos a um inalcançável “terrorismo internacional” (regimes iraniano e/ou sírio, Hezbolá); as conexões locais continuaram a salvo, apesar dos protestos de familiares de vítimas e da mídia. Ainda que os ataques tivessem mais relações com a ação de máfias criminosas e disputas entre complexas redes de interesses internacionais do que com a persistência do antissemitismo, a comunidade judaica argentina ficou mais preocupada depois deles e passou a adotar extremas medidas de segurança em todas as suas instituições.

A explosão na embaixada, em 17 de março de 1992, ocorreu num horário em que toda a segurança se ausentara do local. Mas o então ministro do Interior José Luis Manzano apressou-se a informar que fora causada por um arsenal guardado dentro da própria representação diplomática, acrescentando que havia indícios da existência de um plano israelense para colonizar o sul do país. Ele não estava sendo original: para ficar num exemplo, em 1971 um conhecido professor de Direito denunciara o “Plan Andinia”, suposta conspiração judaica mundial para apoderar-se da...Patagônia!

O imaginário em torno da conspiração judaica e o antissemitismo na Argentina foram influenciados diretamente pelo nazismo e o fascismo europeus, e foram apoiados por grupos da direita católica. Organizações como a Liga Patriótica e a Aliança Libertadora Nacionalista e dezenas de publicações conclamavam à “resistência” contra os judeus, ora apontados como sugadores das riquezas nacionais ora como fomentadores do comunismo. O governo militar que assumiu o poder em 1943 restabeleceu a educação religiosa (católica) nas escolas públicas, pondo fim ao laicismo estabelecido em 1884. Em 1948, Evita acusou os antissemitas de serem “representantes nefastos da oligarquia”, mas o discurso nada significou na prática: Perón já abrira as portas, ao final da Segunda Guerra, a centenas de criminosos de guerra nazistas.

A partir da década de 1960, grupos como Tacuara e Guarda Restauradora Nacionalista atuaram livremente tanto nos períodos de democracia quanto na ditadura. Houve dezenas de ataques contra judeus nos anos seguintes. Uma jovem judia foi morta sob a “acusação” de ter ajudado o Mossad no sequestro de Adolf Eichman. Em agosto de 1960, membros da Tacuara atiraram num adolescente judeu. Um editorial do semanário Mundo Israelita queixou-se então: “A polícia nunca os encontra, nunca os pune. Sabe quem são, quem os comanda, onde estão. Eles não escondem suas intenções, mas ninguém os incomoda (...)”.

Se nos pequenos detalhes encontram-se sinais reveladores, um deles foi o fato de que nos anúncios fúnebres nos jornais argentinos, a estrela de Davi só pôde ser exibida depois de 1986, quando se revogou uma disposição oficial que a proibia.

Em 1998, quando um Congresso Neonazista reuniu-se no Colégio Lasalle, a comunidade judaica se reduzira a 300 mil pessoas, 80% delas na capital e arredores. Era uma fase de crise profunda e descrédito das instituições judaicas. Entre outros problemas, milhões de dólares de indenizações às famílias de vítimas da AMIA chegaram a sumir em meio às operações dos “bancos comunitários” (Patrícios, Mayo, Banco Israelita de Córdoba, Banco Israelita de Rosário), cuja quebra entre 1998 e 1999 levou o presidente da DAIA a processar por antissemitismo o presidente do Banco Central, Pedro Pou.

Àquela altura, 30% dos judeus de classe média tinham perdido renda e se tornado neo-pobres (conforme estudo sociodemográfico patrocinado pelo American Jewish Joint Distribution Commitee, publicado em 2005, citado por Ricardo Feierstein em Historia de los judíos argentinos, editora Galerna, 2006). Hoje, a situação econômica voltou a melhorar e muitos emigrantes que foram para Israel já voltaram ao país. Mas as feridas dos últimos anos estão longe de ter cicatrizado...