31.7.09

O língua-solta


A história do primeiro poeta do Brasil, o cristão-novo Bento Teixeira, morto pela Inquisição, é o tema da peça O Língua Solta, de Miriam Halfim, direção de Xando Graça. Autor de Prosopopéia e crítico contundente dos desmandos das autoridades de Pernambuco no século XVI, Bento é interpretado pelo ator Isaac Bernat.

A peça fica até 10 de setembro no Teatro do Centro Cultural Justiça Federal (Av. Rio Banco, 241 / Cinelândia). Sempre às quartas e quintas-feiras às 19 horas (R$20,00 e R$10,00, meia entrada).

Educado por jesuítas, famoso pela erudição e pela língua afiada, Bento Teixeira foi também o primeiro mestre-escola leigo da colônia. Aqui, Miriam fala sobre o que a atraiu no personagem.

P: Por que a figura de Bento Teixeira fascinou você? Sua imersão na trajetória dele foi histórica, visceral, psíquica?

Miriam: Em primeiro lugar, porque Pernambuco e seus cristãos-novos são o começo do país. Depois, pelo orgulho de saber da contribuição de um cristão-novo para a literatura do Brasil. Enquanto muitos participam para pilhar a colônia, Bento Teixeira acrescenta-lhe glória - quer louvar Pernambuco. Ainda que seja controvertido o valor literário da Prosopopéia, é indiscutível ser ele o primeiro autor do Brasil.

Gosto de pensar que meu interesse primevo é histórico, mas é claro que me interesso pelos judeus (cristãos-novos) em geral e profundamente, pois o judaísmo é uma religião forte e fundada em humanismo. A razão de tanta perseguição vale mil estudos psicológicos. Meu interesse, então, abrange todos os aspectos que você mencionou.

P: Por que Bento Teixeira merece ser conhecido pelo público brasileiro neste início de século XXI?

Miriam: Porque um povo que não se educa está fadado a se perder. Educar um povo é fazê-lo conhecer sua história. Bento Teixeira é parte da história dos judeus e do Brasil. Muitos países já entraram no Terceiro Milênio. Outros seguem na Idade Média. O Brasil pretende galgar espaço entre os mais evoluídos, É, pois, mais do que tempo de expor Bento Teixeira ao público, inclusive o das escolas.

P: A Inquisição no Brasil ainda tem aspectos não suficientemente pesquisados, que possam suscitar interesse?

Miriam: A Inquisição é como as Cruzadas. Uma nuvem paira sobre ambas, porque incomoda e envolve a Igreja de Roma. Mas já começam a aparecer sinais de uma e das outras. É importante saber o que aconteceu no passado. Um erro só tem função se evita sua repetição. Em todas as áreas, desde a política até a religiosa e educacional.

P: Bento causou incômodo num contexto de total censura. Ele tinha algum tipo de apoio, uma rede de proteção que lhe permitia expressar-se? Fazia suas críticas dentro do sistema vigente ou era um revolucionário?

Miriam: Bento Teixeira era um língua-solta. Amava Pernambuco e Olinda e falava de tudo que via de errado. Como poeta e sonhador, talvez não tivesse noção do perigo, especialmente após algum tempo nas tavernas, envolvido pelo vinho de Espanha que apreciava. Não creio em apoio ou rede formal por trás dele. Não esqueçamos que as reuniões nos engenhos-sinagogas eram secretas - ou quase. Houve maior liberdade durante o período holandês, mas antes não, e depois de 1654, com a partida dos flamengos, os cristãos-novos também sumiram, em grande parte, de Pernambuco.

O preconceito e a perseguição só podem ser derrotados e mudar uma situação negativa vigente através da educação em seu sentido maior.