26.9.09

"O Interrogatório": vigília pela vida (por Michel Mekler)


Minha programação, ontem, era ver o início da peça “O Interrogatório”, de Peter Weiss, que coincidiu com o início do shabat, e sair para outro compromisso. No dia seguinte eu voltaria para ver o restante (são seis horas de duração), já que a peça, dirigida por Eduardo Wotzik (na foto), foi encenada em moto-contínuo, durante 24 horas, com o público podendo entrar, sair e voltar a qualquer hora.

No foyer da Casa de Cultura Laura Alvim, antes de começar a peça e o shabat, tocou-se o shofar. Subimos e os atores já estavam no teatro, sentados em suas cadeiras na platéia (os “judeus” de um lado, os “nazistas” do outro), ou no palco (caso do juiz). A peça trata do julgamento de alguns chefes do campo de Auschwitz , com base nos depoimentos de sobreviventes. Esses sobreviventes trabalhavam em setores estratégicos como farmácia, carregando os mortos, ou no departamento de assuntos políticos. Através dessa teia de testemunhas, entende-se como era o dia-a-dia do local.

De tempos em tempos, tocava-se um sinal e a peça se interrompia por alguns minutos, para quem quisesse se levantar ou sair. Eu sei que fui ficando, em meio a vários momentos emocionantes, inclusive com músicas cantadas pelos “sobreviventes” e, no intervalo, reza voltada para a parede de pedra do teatro (Muro das Lamentações?). Na verdade, só notei que a peça tinha acabado quando os atores começaram a repetir o que eu já tinha ouvido. Era meia-noite e o teatro continuava cheio, agora com um público mais jovem. Cada minuto valeu a pena.

[ abaixo, chegada de mulheres e crianças judias húngaras a Auscwitz, em 1944, arquivos do Yad Vashem ]



Como o Michel, também fiquei super-emocionada (e ao meu lado pessoas não escondiam as lágrimas) com a "vigília pela vida" de Eduardo Wotzik. O espetáculo recriou parte do julgamento de Frankfurt, em 1965, que processou oficiais e funcionários menos graduados por crimes de guerra. E é uma comprovação da maturidade cultural do Rio de Janeiro essa acolhida da diretora da Casa de Cultura Laura Alvim, Lygia Marina, a uma concepção de teatro que foge do ramerrão cotidiano. 
Assisti a três horas horas desse tour de force do diretor e de  40 atores: o tempo voou, apesar da náusea produzida não só pela dor das vítimas como pela ideia de que a abjeção dos carrascos jamais será suficientemente punida. O que se transplanta para outras latitudes e momentos, inclusive o atual, mas isso já é outra conversa...

21.9.09

Reinventando o ritual judaico



Reinventing Ritual: Contemporary Art and Design for Jewish Life [Reinventando o Ritual: Arte e Design Contemporâneos para a Vida Judaica], em exibição até fevereiro de 2010 no Museu Judaico de Nova York, é um belo passeio pela diversidade e abundância dos rituais e objetos no judaísmo contemporâneo. [Acima, a especialista June Bove prepara manequim com um vestido de noiva "amuleto"(2000), de Michael Berkowitz].

Essa reinvenção, expressa por 54 artistas norte-americanos, israelenses e europeus, nada tem de iconoclasta; materiais e suportes até podem ser inovadores e arrojados, porém subjacente a eles está o respeito à religiosidade como parte essencial da experiência humana. Em exposição estão trabalhos das áreas de desenho industrial, metal, cerâmica, vídeo, desenho, escultura, história em quadrinhos, instalações e tecidos, reunidos em grupos temáticos que indicam ao público as situações em que o ritual ocorre.

Mais fotos em Museu Judaico de Nova York - expo

Kol Nidrei

Cantado ao por-do-sol na véspera do Iom Kipur, o Kol Nidrei (“Todos os Votos”, em aramaico) é o momento crucial e transformador do ano religioso. Uma síntese das sínteses, pelo rabino norte-americano Jacob Neusner, diz: “O que a fórmula transmite, ao ser cantada de maneira dramática, é a proposição de que pecamos, porém podemos reparar o pecado, e Deus julga, porém perdoará”.

Dezenas de gravações, fora do ambiente das sinagogas, podem ser ouvidas no youtube. Clique aqui para ouvir duas das mais antigas, Moishe Oysher sings Kol Nidre - 1939 Yiiddish film e Pablo Casals - Kol Nidrei (1923)

Direitos humanos no Brasil (por Jacksohn Grossman*)

O Museu Judaico convida para a mesa-redonda "Direitos humanos - a questão das diferenças" (em 29 de setembro, a partir das 18 horas, no Atlantic Business Center, avenida Atlântica 1130, térreo), com a participação de Benedita da Silva, secretária de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos; Jorge da Silva, secretário executivo da Coordenadoria Multidisciplinar de Estudos e Pesquisas em Ordem Pública, Polícia e Direitos Humanos; e Abraham Goldstein, presidente da B'nai Brith do Brasil. A mediação será do advogado Jacksohn Grossman, diretor do Departamento Jurídico da Fierj, autor do seguinte artigo sobre o tema: 
" O Brasil participou ativamente da redação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela ONU em 1947, sendo então representado pelo jornalista Austregésilo de Athayde. Nem por isso a expressão “direitos humanos”, em nosso país, deixou de apresentar diferentes sentidos, conforme distintos contextos e épocas.
Durante os 20 anos de ditadura militar invocavam-se os direitos humanos em defesa dos perseguidos políticos, em defesa da liberdade de expressão e contra a tortura, as prisões ilegais e a legislação autoritária. Nos dias atuais costuma-se empregá-la para denunciar chacinas em favelas e as condições subhumanas de nossas prisões.

Independentemente dos problemas econômicos e sociais, há um outro aspecto, de cunho ideológico, que vai permear todos os estratos sociais, e que diz respeito à visão do Outro, ou seja, daquele que olhamos e pensamos como “diferente”. Gilberto Freyre, tão festejado sociólogo que teria promovido a defesa da miscigenação de brancos com negros, exaltando-a como marco positivo da criação de uma propalada “democracia racial” no Brasil, deixa claro seu antissemitismo, ao se referir aos judeus como “técnicos de usura” e “aves de rapina”.

Com as recentes descobertas científicas e a decifração do genoma humano, desmoralizou-se a idéia de existência de raças superiores ou inferiores, de diferenças entre raças, e até mesmo o próprio conceito de raça. Nada disso, porém, é bastante para alterar o conceito de “judeu” ou de “negro”, que se acha internalizado pela cultura transmitida por gerações.

Exemplo dessa permanência é a forma como é tratado o judeu no noticiário publicado na imprensa. Com efeito, quaisquer notícias, tanto elogiosas, quanto, principalmente, as detratoras, envolvendo algum cidadão judeu, recebe não apenas este qualificativo, mas também, por vezes, o registro de que seria “estrangeiro”. Assim, “fulano de tal, médico judeu radicado nos Estados Unidos, ...”, ou, “comerciante judeu há muitos anos no Brasil, foi ontem assaltado e morto durante violento tiroteio”. O mesmo tratamento não é atribuído aos católicos, protestantes, budistas ou espíritas, quer sejam eslavos, asiáticos ou europeus.

A expressão “isto é coisa de judeu”, “você parece judeu”, ou até mesmo “você não parece judeu”, é ainda bastante utilizada, em todas as classes e níveis de instrução, não apenas de forma pejorativa e preconceituosa, mas também como se o judeu possuísse características próprias e diversas dos demais cidadãos, percebíveis a olho nu ou identificáveis pelo simples modo de ser ou de agir.

O histórico de casos, em nossa experiência de mais de duas décadas no trato das questões jurídicas trazidas ao conhecimento da Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro, demonstra que a prática do racismo e do antissemitismo vem ocorrendo não apenas de forma persistente, mas em volume cada vez maior. Exemplos notórios são as publicações de obras de nítido caráter nazista, artigos em jornais e revistas, entrevistas nos diversos meios de comunicação, venda de objetos com o símbolo do nazismo, desenhos de suásticas em colégios, universidades, repartições, meios de transporte, bandeiras de torcidas, decoração de restaurantes, etc.

Num curso de pós-graduação aqui no Rio de Janeiro, na cadeira “Alternativas para Produção Científica em Relações Internacionais”, há cerca de um ano e meio, a professora e então diretora do Curso declarou em sala de aula que “Hitler deveria ter matado todos os judeus”. Na internet multiplicam-se os sites nazistas, as comunidades no Orkut, dentre elas “Poder Branco”, “Comunidade Adolf Hitler BR”, com 761 membros, “Comunidade Hitler”, com 486 membros, e “Comunidade Hitler Mein Kampf, com 1009 membros. Há ainda a pregação feita pelos que se autodenominam “revisionistas históricos” no tocante ao Holocausto, sem contar o ódio manifestado em cartas de leitores nos jornais e sites de notícias on line, que, a pretexto de atacar Israel, pretendem na verdade demonstrar que os judeus são poderosos, opressores, amantes da guerra e da violência e dominadores dos meios de comunicação.

Quanto ao judeu, não importa se professa ou não a religião judaica, se é judeu apenas por origem ou porque assim se declara: esses dados não são considerados para vê-lo como um “diferente”, que tem uma marca própria, diversa da maioria, sujeito a um outro olhar."
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* Este artigo é um resumo da palestra do autor na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, no evento “Presença Judaica na Cultura Brasileira”, realizado pela UNIRIO e o Memorial Judaico de Vassouras.

Cinema e política





É possível falar do filme israelense “Lebanon”, ganhador do Leão de Ouro (melhor filme) do Festival de Veneza mesmo antes de vê-lo. Pelo tema e pelas intenções do diretor Samuel Maoz, um dos aspectos que ele coloca em pauta é o vínculo entre arte e política, especialmente intenso em situações extremas e em zonas de guerra.

Maoz, 47 anos, participou da guerra do Líbano em 1982, e contou nunca ter superado o trauma. Afirmou que talvez não tivesse sido premiado (esse foi seu primeiro longa-metragem) se a atriz Jane Fonda estivesse no júri. “O objetivo de um filme como o meu é abrir o diálogo, fazer as pessoas falarem de assuntos importantes”, disse ele ao jornal britânico The Observer. “E isso é algo que não se pode fazer se os filmes forem boicotados. Não faz sentido boicotar a arte”.

Jane Fonda foi uma das signatárias da carta sugerindo o boicote ao Festival Internacional do Filme de Toronto poque este homenageou o centenário de Tel Aviv com uma série de películas sobre a cidade. Agora, duas semanas depois de assinar a carta, ela quase voltou atrás: escreveu uma coluna (no Huffington Post) dizendo que não lera  com cuidado o documento e que algumas palavras “desnecessariamente inflamatórias” contra a homenagem a Tel Aviv não haviam saído do fundo do seu coração...

Para manter a polêmica, artistas judeus conhecidos, entre eles Jerry Seinfeld, Sacha Baron Cohen e Natalie Portman, publicaram um anúncio nos jornais Los Angeles Times e Toronto Star, afirmando: “Quem quer que tenha assistido ao cinema israelense recente, com filmes que podem ser políticos e pessoais, cômicos e trágicos, frequentemente críticos, sabe que eles não são, de maneira nenhuma, um braço de propaganda da política do governo.”

O filme de Maoz – que teve financiamentos públicos e privados israelenses – transcorre sob a perspectiva de quatro soldados enclausurados num tanque, de onde miram alvos militares e civis. A primeira missão deles é entrar numa aldeia libanesa para atacar terroristas palestinos, com todos os ônus letais que isso implica para a população civil. Tema de alta voltagem e incômodo, tanto que esse é o terceiro filme israelense recente a focalizar a invasão do Líbano, depois de Beaufort (2007) e de Valsa com Bashir (2008).

O fato de o cineasta ter alegado que “Lebanon” não é um filme político, mas um depoimento exclusivamente pessoal sobre a tragédia da guerra, indica como a palavra “política” esvaziou-se, pois a rejeição dele aos clichês heróicos é uma opção política na acepção ampla do termo (opção, aliás, só viável nas democracias).

Pena que, do outro lado, intelectuais e artistas árabes vivam em eterno silêncio quando se trata de autocríticas ou da manifestação pública de dilemas morais...

7.9.09

Hitler em Bariloche??


Numa sequencia de postagens sobre a Segunda Guerra Mundial e a Argentina, o correspondente do Estado de São Paulo em Buenos Aires, Ariel Palacios aborda, entre outros temas, o neonazismo no país e o sadismo "especial" com que os torturadores trataram os prisioneiros judeus durante a última ditadura militar (1976-1983). Ariel Palacios também fala de livros, inclusive um "guia turístico" que provocou protestos da comunidade judaica. Leiam mais em http://blog.estadao.com.br/blog/arielpalacios . Aqui, parte do post do jornalista:

"Daqui vocês podem ver a Cordilheira dos Andes, o lago Nahuel Huapi...e ali, no meio do bosque, a última residência de Adolf Hitler e Eva Braun. Ali Hitler morreu em 1960”.

A insólita frase pode ser pronunciada ocasionalmente pelos guias aos turistas que visitam a cidade de Bariloche, na Patagônia, no sul da Argentina. Ali, segundo um polêmico livro, teria se refugiado o tenebroso Führer do Terceiro Reich após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945.

Hitler, afirma a obra, não deu um tiro na cabeça (junto com uma cápsula de cianureto que mordeu) na Berlim bombardeada pelos soviéticos. Segundo o livro, teria falecido tranquilamente, anos depois, em Bariloche.

A obra é “Bariloche Nazi – Lugares Históricos Relacionados com o Nacional-Socialismo”, do jornalista e escritor Abel Basti. O livro é um peculiar guia turístico para percorrer o “lado nazista” dessa cidade com look bávaro alpino no sopé dos Andes.

Além da fantasiosa última residência de Hitler, o guia mostra com detalhes as casas e os lugares reais onde passeavam e se reuniam dezenas de criminosos de guerra que comprovadamente passaram pelo país.

Esse é o caso de Erich Priebke e Reinhard Koops - que nos anos 40 e 50 se esconderam nessa cidade. Outros nazistas, como Walter Kutschmann, Josef Schwammberger e Abraham Kipp também teriam passado pelo lugar.
Na época, Bariloche não passava de um vilarejo afastado da civilização, a 13.500 quilômetros das fumegantes ruínas de Berlim.

Ali se esconderam nazistas alemães e austríacos, bem como croatas “ustaschas”, belgas, fascistas italianos e colaboracionistas franceses.

Calcula-se que no pós-guerra, sob o governo do general Juan Domingo Perón, mais de 1.300 criminosos de guerra passaram pela Argentina, muitos dos quais acabaram residindo no país.