2.12.09

Mitos e fatos: considerações de Noga Sklar

Já dizia Nelson Rodrigues que toda unanimidade é burra. Então, é um alívio conhecer gente – como a escritora Noga Sklar – que ousa ir contra a corrente. Ela faz, em seu blog Noga Bloga,  uma crítica inteligente à biografia do norte-americano Benjamin Moser sobre Clarice Lispector, recém-lançada em português.

Moser fez dezenas de entrevistas no Brasil, mas alguns aspectos da situação no país foram mal compreendidos. Por exemplo, ele alega que foi o antissemitismo que levou Clarice Lispector e Alberto Dines a serem demitidos do Jornal do Brasil nos anos 1970. Mas a imprensa carioca na época era pró-judaica, por conta do pró-sionismo,  exaltando dia sim e outro também o “pomar verdejante” criado em Israel, contraponto ao anacrônico mundo árabe. Na redação do JB, os judeus (poucos, além do Dines; lembro agora de Diane Kuperman, Fichel Davit Chargel e Helena Salem) trabalhávamos sem que a questão judaica fosse assunto para ninguém... Não se falava nisso e pronto. Falava-se muito de política, de questões sociais, da ditadura...Éramos simplesmente brasileiros!

Um trecho que incomodou Noga, entre outros, trata do ritual fúnebre de Clarice. Diz Noga:

A "Chevra Kadisha" não é, como o autor faz soar, uma entidade ortodoxa que só atende a celebridades ou grandes místicos, não, gente. "Chevra Kadisha" é o nome em hebraico [turma santa] de quem provê serviços funerários, lavagem de cadáveres e todo o resto. Tem uma "Chevra Kadisha" em qualquer comunidade judaica (no Brasil, e, imagino, no resto do mundo), quem quiser aí pode conferir.

Enquanto no início do livro fui movida por uma extraordinária simpatia com a trágica história de Clarice, minha conclusão final não poderia ser mais chocante, disparatada, reveladora, cá entre nós: quase todos da geração dela, que é a mesma de minha mãe, por exemplo, teve pais que eram mascates - meu avô, por exemplo, era - pobres, com trauma de imigrantes e de refugiados de guerra cuja memória abalada se consola e enriquece pela existência mística de algum sábio na família (também tenho o meu, um "grande tzadik" pelo lado de vovó, sepultado com honras na mística e sagrada Safed dos antepassados).

Pouco a pouco, foram se ajeitando, e Clarice, neste contexto, termina sendo francamente privilegiada: casada com um homem - segundo relatos diretos de quem o conheceu muito bem - bastante refinado e sensível, viveu no exterior regiamente sustentada pelo estado e pouco lhe faltou durante a vida, mesmo depois de separada do marido. Trauma de escassez, lhes confesso agora, faz parte da psique de qualquer judeu das gerações da guerra, uma fome que não passa, um complexo de pó-de-ovo arraigado que leva ao desespero e do qual poucos se livram, ou se livraram. Eis a nossa história comum grosseiramente resumida.

Leia o artigo completo no blog da autora.