21.4.10

O DOUTOR AFONSO, de Henrique Veltman

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O jornalista e escritor Henrique Veltman lança no próximo dia 4 de maio (na ASA) o livro "Do Beco da Mãe a Santa Teresa", um texto ágil e bem-humorado que nos remete ao cotidiano das famílias judaicas que viviam na Zona Norte e na Praça XI do Rio nos anos 1940. Notícias da Segunda Guerra, agitação política e excitação infantil pelo lançamento da Coca-Cola e do Eskibom fazem parte do cardápio.

Abaixo, uma das crônicas do livro.

O consultório do Dr. Afonso ficava num sobrado da rua General Caldwell. A sala de espera era imensa e duas escarradeiras estavam estrategicamente colocadas nas laterais. Duas obras de arte...
O piso da sala era de blocos de vidro, o que permitia a todos, inclusive ao médico, observar o que se passava lá embaixo, na farmácia. Que era do Dr. Afonso, claro.

Ele era, provavelmente, o médico mais badalado da Praça Onze. Até onde a minha memória alcança, lá pelos anos 1940, todos os meninos e meninas judeus da região passaram pelo seu consultório. Ele tinha um concorrente, sim. O Dr. Mafra, ali do lado da Igreja Matriz de Santana, com consultório nos fundos de sua farmácia.

É importante registrar que a garotada da época, primeira geração nascida no Novo Mundo, era geralmente franzina. Havia casos de raquitismo, bronquites crônicas, asma, gripes e resfriados constantes.

Por isso mesmo, um dia, Dr. Afonso recomendou a minha mãe de forma clara e incisiva: “Esses meninos (meu irmão e eu) precisam tomar banho de mar”. Naqueles tempos, as praias gozavam de muita fama no quesito saúde. Proclamavam-se as virtudes do iodo; aliado ao sol e outras condições naturais, proporcionaria a cura dos males de origem reumática e óssea.

Nessa altura, e creio que até recentemente, especulava-se muito sobre o iodo. O iodo era a panacéia universal, uma espécie de antidepressivo dos dias de hoje.

Assim, Dona Rachel não teve outra saída senão nos levar à praia – praia do Caju, conhecida na rua judaica como extremamente saudável. Os banhistas, inclusive, saíam do mar com grossas placas escuras nas pernas e nos braços. Segundo se dizia, eram as disputadas placas de iodo, absolutamente necessárias à saúde de todos!

Levamos muito tempo até descobrir que as placas eram apenas manchas do óleo despejado no mar pelos navios e pelo estaleiro do Caju... A decepção de minha mãe foi imensa. Acho que foi aí que ela desistiu das praias para sempre.

Mas foi no Caju que a criançada aprendeu a nadar. Bons tempos.