7.5.10

De livros, sebos, mistérios -- por Norma Schipper




(gostei tanto desta crônica, publicada emm http://www.curabulalivroclube.blogspot.com/, que quis compartilhar com vocês; as fotos são do artista plástico Otavio Schipper)


Há mais de quarenta anos freqüento sebos.

Aqui no Rio de Janeiro ou em qualquer lugar. Localizam-se nos centros, geralmente decadentes, de qualquer cidade, o que muito me atrai.

Sou uma grande andadora, flano e flano e flano horas a fio.

Um tempo fora do tempo real assim como os museus de relíquias e os bric-à-bracs.

Tudo o que é impresso me chama a atenção: as capas das velhas brochuras, as coleções que se desmembraram mas que não se perderam, as marcas d'água dos moinhos que fazem papel à mão, os livros com edições limitadas, os livros com dedicatórias e que passam de mão em mão, as folhas amareladas e manchadas, as ilustrações dos grandes artistas, as casas de edição que não existem mais ...

Um vastíssimo mundo de mistérios e de descobertas.

Houve um tempo que estudei os estilos de épocas das encadernações. Fiz assinatura de revistas francesas e andei visitando ateliês para ver os diversos tipos de couro utilizados (há um tipo apreciado e caríssimo de couro curtido pelo sol das montanhesas do Afganistão!), os 'ferros' e as folhas de ouro portuguesas.

Ainda frequento leilões de livros raros e de papeis antigos. Já colecionei antigos livros de receita, livros do início dos anos vinte sobre comportamento no lar para noivas e sobre 'sistemas'de educação física, tenho algumas primeiras edições às quais não dou muito valor.

Nunca soube bem por quê, mas nunca 'corri atrás' dos livros assinados por autores famosos, talvez me interessem mais por suas obras.

Alguns autores – Anatole France, Jorge Amado e Camilo Castelo Branco – são olhados com desdém e vendidos a peso de papel. Dizem-me Balzac ser o próximo. Será mesmo?

Tenho paixões que que não mantenho; após longo namoro, passo os livros para amigos cujos olhos brilharam ao visitar minha biblioteca.

No ano passado iniciei a compra de antigos livros para crianças e sem saber que seria transformado em filme, comprei várias edições da Alice, Carrol, L. A que mais gosto foi editada em 1934 pela LIVRARIA DO GLOBO; Barcelos, Bertaso & Cia; Porto Alegre; 1924 – com ilustrações. E também uma outra de 1921 feita em Londres com 21 ilustrações, incluindo oito em cor, separadas do texto.

Uma livraria pediu-me que eu alugasse alguns destes livros pois enfeitariam uma vitrine onde estariam expostos com as novas edições e com relógios antigos. Eu incluiria baralhos e um grande espelho.

Imagine tirar de casa estes livros sonolentos e silenciosos.

Pedro Nava e Drummond trocaram cartas sobre a arte de andar pelos sebos.
" ... sebos, a poesia dos bárbaros que não entendem a dimensão profunda e a poesia substancial do livro usado. Prazeres eternamente ignorados dos selvagens que só compram livros novos ... Poesia dos objetos humanizados ao contato de muitas vidas e ao toque de muitas mortes."

Drummond responde-lhe: "Saio deles com um pacote de novidades velhas e a sensação de que visitei, não um cemitério de papel, mas o território livre do espírito, contra o qual não prevalecerá nenhuma forma de opressão."

Despeço-me nostalgicamente destes espaços antigos, assistindo o sucesso das compras livrescas na Estante Virtual.

Também sou um ser fora do tempo, acostuma-se com tudo, porém.