17.6.10

Os judeus não inventaram a agulha que faz esquecer - por Eva Spitz*

Entre os bons filmes que tratam de questões relativas aos judeus, mas pertinentes a qualquer pessoa, está em cartaz Mary and Max, dirigido e roteirizado por Adam Elliot, em que um sujeito totalmente solitário, novaiorquino de 44 anos, judeu, órfão de mãe suicida, sem pai, auto-estima no dedão do pé, comedor de chocolate compulsivo, catador de guimbas de cigarro na rua, que à medida que envelhece cresce para os lados, se depara com a sua alma gêmea, do outro lado do planeta, via correspondência...

Detalhe, o filme é um desenho animado em que os dois personagens são criados a partir de massinhas, e vivem numa realidade marrom, um,  numa realidade em preto e branco, outro. Diferença de idade: 36 anos. Êpa, não se trata de pedofilia... Algo muito mais profundo, da ordem da solidão e dos maus tratos da infância, os une.... Mary, australiana cuja mãe é repulsiva e alcoólatra e o pai, um operário rude e simplório, tem como único amigo um galo. Já Max é adulto, mora do outro lado do planeta e "gostaria de morar na Lua, para não ter contato com as pessoas".

Ela é uma menina triste, escorraçada na escola, cercada de pessoas falidas mas jovem o bastante para que o seu caminho repentinamente se abra, graças a uma carta que escreve aleatoriamente e vai parar na casa do Max...A nascente e inusitada amizade virtual com o judeu detonado, devorado pela culpa de não conseguir ser quem ele gostaria de ser, a leva a crescer e se tornar alguém que pode escrever um livro, ter um filho.....Para Max, as cartas de Mary são um alento, mas nada o livra da culpa e dos fatos arrasadores do seu passado que minaram o seu caminho....

.....Saio desse filme e vou ver Mother, A busca da verdade, do cineasta sul-coreano Bong Joon-ho, que já assinou outras obras primas (O Hospedeiro e Memórias de um assassino). O filme gira em torno de uma mulher que busca incansavelmente descobrir o homem que incriminou seu filho por um crime. Ela exerce a acupuntura não oficialmente nos becos de uma Coréia que não estamos acostumados a ver na televisão, pobre e desumana.

Essa mulher tem uma técnica infalível para se livrar da dor, da culpa, dos erros. Ela descobriu uma agulhada infalível, na coxa, que ajuda a pessoa a esquecer tudo de ruim que lhe tenha acontecido. Essa mãe devotada que quer proteger o filho, considerado por ela e pelos demais um retardado, tenta livrá-lo desesperadamente de uma acusação de assassinato, mas seu amor acaba se revelando um amor doentio capaz de matar e matar....amar e amar....tão pungentemente real...

Qual a ligação com o filme do judeu Max? Me ocorreu que os judeus – como o Max do filme – deveriam aprender a aplicar a tal agulha.... De fato, não conhecemos esta agulha que faz esquecer. Podíamos até comercializá-la. Seria com certeza “um bom negócio”.

* Eva Spitz é jornalista e assessora de comunicação.