12.9.10

Fidel, judeus e antissemitismo


Em entrevista a Jeffrey Goldberg, da Atlantic Magazine, que está correndo o mundo, Fidel Castro afirmou que o modelo cubano "não funciona mais" para exportação (depois ele disse que sua frase foi irônica...). Para os judeus, ele deu mostras de grande simpatia, falando de maneira enfática contra o antissemitismo e a negação do Holocausto por Ahmadinejad. A matéria saiu hoje na Folha de São Paulo (só para assinantes,  http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrissima/il1209201005.htm ).

Abaixo, o trecho sobre antissemitismo e Ahmadinejad (by Jeffrey Goldberg, tradução Paulo Migliacci).


Fidel Castro, 84 anos, convidou a dirigente da Comunidade Judaica Cubana, Adela Dworin, a participar
da visita em que acompanhou o jornalista norte-americano Jeffrey Goldberg ao Aquário de Havana (onde
trabalha, como veterniária, Celia Guevara, filha do Che) 



















" Fidel deu início ao nosso primeiro encontro me contando que lera com atenção meu recente artigo para a "Atlantic", e que o texto confirmava que EUA e Israel se encaminham de forma acelerada e gratuita a um confronto com o Irã. A interpretação não surpreende, claro: Fidel é o avô do antiamericanismo no mundo inteiro, sempre foi um severo crítico de Israel.

Seu recado ao premiê israelense Benjamin Netanyahu era simples: Israel só terá segurança se abrir mão de seu arsenal nuclear, e as demais potências nucleares do mundo também só estarão seguras caso abram mão dessas armas. O desarmamento nuclear mundial e simultâneo é decerto uma meta nobre, mas, em curto prazo, não se pode defini-la como realista.

A mensagem de Fidel a Mahmoud Ahmadinejad, o presidente do Irã, não era tão abstrata, no entanto. Nessa primeira conversa, que durou cinco horas, Fidel retomou repetidas vezes suas críticas ao antissemitismo. Criticou Ahmadinejad por negar o Holocausto e explicou por que o governo iraniano serviria melhor à causa da paz caso reconhecesse a história "única" do antissemitismo e tentasse compreender por que os israelenses temem por sua existência.


Ele abriu essa discussão descrevendo seus primeiros contatos pessoais com o antissemitismo, quando era criança. "Lembro de quando era menino, muito tempo atrás, com cinco ou seis anos de idade, e morava no interior", disse. "Lembro da Sexta-Feira Santa. A atmosfera que uma criança respirava naquele dia era a de 'Silêncio, Deus morreu'. Deus morria todo ano, entre a quinta e o sábado da Semana Santa, e deixava todos muito impressionados. O que havia acontecido? E as pessoas respondiam que 'os judeus mataram Deus'. Atribuíam aos judeus a culpa pela morte de Deus! Percebe como era?"


Prosseguiu: "Bem, eu não sabia o que era um judeu; conhecia um pássaro que era chamado de 'judía', e para mim judeus eram aqueles pássaros. Eram aves de bico longo. Não sei por que tinham esse nome. É o que me lembro. Era esse o nível de ignorância da população inteira".


DIFAMAÇÃO Fidel afirmou que o governo iraniano deveria compreender as consequências do antissemitismo teológico. "Isso durou por talvez 2 mil anos", disse. "Não acredito que alguém tenha sido mais difamado que os judeus. Eu diria que foram muito mais difamados que os muçulmanos. Sofreram mais difamação do que os muçulmanos porque foram culpados e difamados por tudo. Ninguém culpa os muçulmanos por coisa nenhuma."


O governo iraniano deveria compreender que os judeus "foram expulsos de sua terra, perseguidos e maltratados no mundo inteiro, porque eram vistos como responsáveis pela morte de Deus. Na minha opinião, foi isso que aconteceu a eles: seleção reversa. E o que é seleção reversa? Ao longo de 2 mil anos, foram sujeitos a terríveis perseguições e 'pogroms'. Seria de presumir que desaparecessem; creio que sua cultura e religião os mantiveram unidos como nação". E prosseguiu: "Os judeus viveram uma existência muito mais difícil que a nossa. Nada se compara ao Holocausto". Pergunto se diria a Ahmadinejad o que estava me dizendo. "Estou dizendo o que digo para que você divulgue", respondeu ele.


Fidel continuou, analisando o conflito entre Israel e Irã. Disse compreender os temores iranianos de agressão pelos israelenses e americanos, e acrescentou que, em sua opinião, as sanções dos EUA e as ameaças de Israel não dissuadirão a liderança iraniana de sua busca por armas nucleares. "O problema não vai ser resolvido, porque os iranianos não vão recuar diante de ameaças externas. É essa minha opinião", disse.


Em seguida apontou que, diferentemente de Cuba, o Irã "é um país profundamente religioso", e disse que líderes religiosos são menos propensos a compromissos. Enfatizou que até mesmo a laica Cuba resistiu a variadas exigências americanas ao longo dos últimos 50 anos".