13.9.10

Peregrinação judaica


Aproximadamente 30.000 peregrinos – todos homens, a maior parte ultraortodoxos ou hassídicos— se  reuniram em Uman, Ucrânia, neste Rosh Hashaná, o Ano Novo judaico, junto ao túmulo do rabino Nahman de Breslev, que morreu há dois séculos. O rabino foi um dos maiores pensadores do hassidismo, movimento religioso que surgiu no século XVIII, e é venerado como um tsadik (santo).

A peregrinação atrai cada vez mais judeus do mundo inteiro, inclusive muitos brasileiros. Ela ocorre num dos locais onde a história do judaísmo europeu oriental foi mais trágica: em 1728, um pogrom exterminou mais de 20 mil judeus, e durante a Segunda Guerra dezenas de milhares foram mortos pelos nazistas. Mas quem viaja a Uman, agora, não está em busca de explicações históricas ou recordações negativas; em clima de extremo júbilo e confraternização, o que se vê é gente cantando e dançando nas ruas.  

Abaixo, artigo de Henrique Veltman sobre o documentário, Yippee, que o diretor norte-americano Paul Mazursky rodou em Uman. 

Após uma visita ao oculista, Paul Mazurski, aclamado diretor do cinema americano, resolve acompanhá-lo numa peregrinação à pequena cidade ucraniana de Uman, em busca do que 20 mil judeus oriundos de todo mundo descrevem como “o mais completo sentimento de felicidade que encontram a cada passagem do Rosh Hashaná”.

Para o oculista, a peregrinação é uma celebração à vida, em que espiritualidade e festa se misturam. “Porque, afinal, Deus é alegria”. Uman tem um significado histórico para os hassidim: foi lá que, há uns duzentos anos, milhares deles foram mortos num pogrom. Como uma homenagem àquelas vítimas, Uman foi o lugar escolhido pelo Rabino Nachman de Bratislav para ser enterrado, em 1810. Ele pregava que a iluminação independe de sangue nobre ou algo parecido. Segundo o sábio são os feitos, o próprio esforço e a escolha dos atos que levam o homem à luz. Dizia que todos os judeus poderiam alcançar a glória e a mais alta plenitude espiritual. “Muitas pessoas acreditam que as histórias são contadas para fazer as pessoas dormir. Eu conto as minhas para acordá-las", dizia o rebe.

No filme, explica-se que o rabino deixou uma mensagem, que visitassem seu túmulo no Rosh Hashaná, assim ele interviria no julgamento dos Dias Temíveis.

Yippee é Paul Mazursky, ele mesmo diante da câmara. As pessoas com quem ele conversa são elas próprias; sua viagem à Ucrânia é real; e os eventos que ele documenta estão acontecendo de verdade naquele momento. Não se trata de um documentário profissional sobre a peregrinação a Uman, nem sobre as suas (de Mazursky) raízes judaicas. O estilo amador é o grande trunfo do filme, dessa Doc comédia; ele até não se leva muito a sério, e esta, talvez, seja a maior virtude do filme.

O avô de Mazursky saiu de Kiev, na mesma Ucrânia de Uman, “para fazer a América”. Mas o neto confessa-se ateu. O efeito de comédia vem justamente desse distanciamento de Mazursky em relação aos rituais da fé religiosa. Isso o leva a ressaltar o humor das cenas de judeus dançando nas ruas. Explora o aspecto cômico das roupas, das cantorias etc. E também das condições enfrentadas por sua equipe. Mazursky saiu de Los Angeles com uma equipe mínima e 40 mil dólares do próprio bolso. Transporte, hospedagem e alimentação ficam muito próximos do que poderíamos classificar de penúria, o que oferece ótimos motivos para piadas tipicamente judaicas.


Em vários momentos do filme, Paul se apresenta aos hassidim e aos ucranianos como um cineasta muito famoso em Hollywood. O que ele realmente é, ou foi. Seja escrevendo, atuando, produzindo ou dirigindo, sua ligação com o cinema ultrapassou todas as barreiras. Foi indicado ao Oscar cinco vezes, mas também concorreu ao Globo de Ouro, à Palma de Ouro em Cannes e ao Urso de Ouro em Berlim, formando uma carreira vitoriosa que contabiliza 13 prêmios ao longo dos seus 56 anos de atuação. Entre seus principais filmes, em que escreveu, produziu e dirigiu, destacam-se "Bob e Carol & Ted e Alice" ,"Uma Mulher Descasada", "Luar sobre Parador" (estrelado pela nossa Sonia Braga), "Um Vagabundo na Alta Roda", "Moscou em Nova York", "Inimigos, Uma História de Amor", “Próxima Parada, Bairro Boêmio”.

Em tempo: Yipee é a expressão de alegria e comemoração por mais um dia de vida.