11.12.10

LOGOCAUSTO, poema de Leandro Sarmatz

Uma língua de mortos. Idioma anti-segredo, a sibilar no espelho
seu eco de cova no indo-europeu ainda.
Todas aquelas bocas costuradas, milhões de bocas e mais nenhuma.
Onde haverá céu para suportar tantas vozes elevadas?

Onde encontrar a malícia, aquela impertinência duradoura?
(Luz do leste reprojetada em tumbas: sintaxe que se sente
em casa. Expulsa
e vai: expulsa.) 

Palavras não são coisas nem pessoas. 
São um nada, uma piada, uma praga, um lamento surdo
um exílio.

E essa morte infinita, multiplicada, 
boca contra boca ouvido contra ouvido
boca e olvido — verme, terra e vernáculo. 

Vozes submersas: e eu petrificado, gaguejando minha mudez-cimento.
Uma calma forjada: porque se eu soubesse conversar com as sombras,
se eu mastigasse as palavras, e delas um suco que não fosse áspero escorresse abrindo os diques da memória,
irrigando os rios-palavras,
fertilizando campos do idioma — 
aí sim: eu estaria mais só do que já estou.

 [Logocausto, Leandro Sarmatz. Editora da Casa, 2009]

 

Há muitas noites na noite de Tendler e Gullar

A videoinstalação Há muitas noites na noite, do cineasta Silvio Tendler, em cartaz no Oi Futuro de Ipanema, foi prorrogada até 30 de janeiro de 2011. O projeto é uma homenagem ao Poema sujo, a polêmica obra do premiado escritor e ensaísta Ferreira Gullar, um dos fundadores do neoconcretismo, que completou 80 anos no último dia 10 de setembro.

 
No espaço, o cineasta concebeu um café literário, que funciona como work in progress para os dois próximos projetos de Tendler, que incluem o desafio de levar o projeto homônimo para a TV e para o cinema. Inaugurada no dia 7 de novembro, a mostra conta com sessões especiais, nas quais atores caracterizados de garçons passeiam performaticamente entre as mesas, recitando poesias e oferecendo um cardápio literário. Maria Bethânia, Osmar Prado, Zeca Baleiro, Ziraldo, Walter Carvalho, Amir Haddad, Camila Pitanga, Zuenir Ventura, Edu Lobo e Alcione são algumas das personalidades que fizeram a leitura dos poemas exibidos na exposição.
 

Neste ano, em comemoração aos 80 anos, Gullar lançou um novo livro de poemas, Em alguma parte alguma, depois de 11 anos desde a edição de Muitas vozes, em 1999, pela editora José Olympio. Além disso, publicou Zoologia bizarra, um livro com suas colagens a ser lançado pela Casa da Palavra.

1.12.10

Para Sempre Perlman

De Marcel Gottlieb, recebemos a mensagem.  
Segue abaixo a belissima cronica de meu amigo Clóvis Marques (http://opiniaoenoticia.com.br/cultura), um monumento no jornailsmo musical de nosso pais. Obrigado, Clóvis - os amantes da musica desta cidade agradecem !!!

Para sempre Perlman

Perlman dá a impressão de um espírito alerta, o que se traduz no brilho do olhar e no sorriso matreiro. Por Clóvis Marques

22/11/2010
Itzhak Perlman excursionou estes dias pelo Brasil com seu violino de sonho. Nós, os adoradores de sua arte inconfundível, aguardávamos ansiosos e um pouco temerosos: será que a idade pode comprometer o poder de sedução de um violinista?
Alguém lembrou, no recital do dia 15, no Teatro Municipal do Rio, que Yehudi Menuhin passou maus bocados na etapa mais avançada da carreira. Corria a década de 1980, quando ele ia além dos 70 de idade, e não eram raros os episódios de entonação duvidosa, notas saltadas, pressão inconstante do arco sobre as cordas, resultando em sonoridades estranhas…

Os pianistas, comentou meu interlocutor, evocando um concerto do velho Emil Gilels, avançam mais impolutos no tempo. Mas nem sempre: de minha parte, lembro do recital de um Claudio Arrau octogenário que me deixou perplexo com a mistura de soberana musicalidade, imperial convicção e fragilidade física…

Mas Perlman está com 65 apenas. Além da cabeleira prateada, sua figura não tem mais, é verdade, a robustez de outros tempos – ou da última vinda ao Brasil, em 1998. Ele está mais magro e parece um homem de idade. Quando se dirige ao público, contudo, a voz é o mesmo baixo ressoante que lhe rendeu participação especial no papel do carcereiro na gravação da Tosca de Puccini feita em 1981 por James Levine, com Scotto e Domingo. E Perlman também dá a impressão de um espírito alerta, o que se traduz no brilho do olhar e no sorriso matreiro.

Menuhin se baseava em uma filosofia e uma prática budistas para ambicionar em sua arte o equilíbrio corpo/mente de um arqueiro zen, o que não foi suficiente para eximi-lo das descontinuidades da velhice no trato do violino – nem da acusação de praticar menos do que deveria a partir de certa idade…
Perlman, de sua parte, tem uma concepção integrada da arte musical. Perguntei-lhe certa vez, numa entrevista, se a beleza do som, a adequação estilística, a fidelidade ao compositor ou a liberdade pura e simples é que mais importava ao tocar. "Nunca penso em termos de aspectos diferentes", respondeu ele. "Considero que o mais importante é fazer música, em seu sentido mais profundo. E o violino ajuda, pois vibramos com ele, o instrumento e o músico são uma coisa só."

É a mesma inteireza que constatamos, em seu caso, na fusão inconsútil de técnica e arte, expressão e sentimento, concentração e comunicação. No recital do outro dia, foi mais uma vez especial constatar como a variedade das peças – sonatas de Mozart, Strauss e Debussy – era observada, honrada e engrandecida sem prejuízo das características tão caras desse intérprete generoso e doador.

Tais características mudaram, claro. Talvez a sonoridade dourada e caramelada que o distinguiu sempre já não se projete com uma majestade tão plena e constante (ressalvo que eu estava a uma distância maior que a habitual). Aquilo que há dez ou vinte anos nos parecia vertiginosa insolência da perfeição (sonora, técnica, musical, expressiva, estilística), com o corolário de uma aparente falta de espontaneidade ou até vibração, já não se impõe com o mesmo fulgor. Perlman estaria menos altivo, mais próximo.

Mas a pureza tonal, a sutileza do vibrato e a extensão do legato, a plenitude do canto e a agilidade que se faz íntima com a música estavam lá, maravilhosas na delicadeza quase "neutra" de Mozart, na afirmação varonil dos temas imperiosos e das texturas quase orquestrais de um Strauss ainda juvenil, na linearidade diáfana e inquieta de um Debussy alquebrado pelo sofrimento no fim da vida.

É comum um artista do seu quilate – e mesmo, diria, de sua condição já mítica – ser acompanhado por um profissional de alto coturno que não se alça aos mesmos níveis de transcendência. O próprio Perlman, no entanto, já nos surpreendera aqui, da outra vez, com um pianista – Samuel Sanders, seu acompanhador durante cerca de três décadas – que entrava também com um manancial de individualidade e invenção. Alguns melômanos brasileiros se lembrarão do magnífico artista de pleno direito que foi, acompanhando Teresa Berganza na mesma época, o pianista Juan Antonio Alvarez Parejo.

Desta vez Perlman percorre o mundo (foi também ao Chile, seguindo para Japão e Coreia, depois de ter solado na abertura da temporada da Filarmônica de Nova York) com o pianista Rohan de Silva, originário de Sri Lanka, que pode não ter esbanjado sutileza (sobretudo no Mozart, quando ambos ainda estavam esquentando), mas não negou fogo no constante jogo do toma-lá-dá-cá com o parceiro.

Para encerrar o recital, um rosário de extras e bombons que vale, aqui, enumerar: uma Siciliana e rigaudon de Fritz Kreisler parodiando estilos antigos; a miniatura Ao pé da fogueira, do mineiro Flausino Vale (1894-1954); um tema da trilha do filme A lista de Schindler, composta por John Williams e consagrada por Perlman; um Caprice de Wieniavsky; o Tango de Albenis adaptado por Kreisler; a Dança húngara nº 1 de Brahms transcrita por Joseph Joachim e, para não deixar de terminar com todos os fogos de artifício, a Ronde des lutins de Basini.

E todos foram para casa felizes (Clóvis Marques - nov 2010)
***
Alguns grandes momentos de Itzhak Perlman (nascido em Tel-Aviv, Israel 1945), recomendados por Gottlieb:

Pablo Sarasate: "Zigeunerwiesen":
http://www.youtube.com/watch?v=wEmbFSiJzEQ
 John Williams: "A Lista de Schindler" - motivo principal:
http://www.youtube.com/watch?v=ueWVV_GnRIA
 Tchaikovsky: Valse Scherzo Op.23:
http://www.youtube.com/watch?v=8La4ix318GE
 Bach: Partita No. 3 em mi menor - Gavotte - aos 13 anos, trecho de um filme de Christopher Nuppen:
http://www.youtube.com/watch?v=DNo6AD9z1WQ
 9. Halvorsen: Passacaglia sobre um tema de Haydn - com Pinchas Zukerman                                              
http://www.youtube.com/watch?v=pAKA3rLENGU
Tocando Musica Klezmer:
http://www.youtube.com/watch?v=DkmFgQ9fM94&feature=related
Gardel: Por una Cabeza:
Perlman (com John Williams regendo):  http://www.youtube.com/watch?v=kigoRVhyaf4&feature=related
Filme - "Perfume de Mulher" (1992):  http://www.youtube.com/watch?v=dBHhSVJ_S6A&feature=related
Antonio Vivaldi: Concerto em re maior para 2 violinos - com Isaac Stern:
http://www.youtube.com/watch?v=76RnSbRyUqA
Para finalizar - "algumas coisas são fáceis para voce e dificeis para mim..." - MARAVILHOSO:
http://www.youtube.com/watch?v=z3richcoCUI&feature=related